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Dia Nacional da Cultura Científica /Aniversário Rómulo de Carvalho

 

Rómulo de Carvalho

Hoje Rómulo de Carvalho faria 111 anos! Parabéns António Gedeão!

Em 1996, o dia 24 de novembro – dia de nascimento de Rómulo de Carvalho – foi adotado pelo antigo, pelo antigo Ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago, como dia Nacional da Cultura Científica, precisamente em homenagem a  Rómulo de Carvalho/António Gedeão, professor, divulgador de ciência e poeta.

Acredito que a Rómulo de Carvalho seja mais conhecido como António Gedeão e pelos seus poemas (provavelmente, Pedra Filosofal será o poema mais conhecido do poeta).

No entanto, não posso deixar de assinalar o seu papel enquanto professor e divulgador de ciência, faceta com que contactei numa visita de estudo que fiz a Braga – por volta de 1996/1997 – enquanto estudante do Ensino Secundário. Aí, visitei uma exposição de ciência que permitia que os visitantes pusessem as “mãos na massa” e fizessem experiências (os centros Ciência Viva ainda estavam a começar e aquele era um local onde nós poderíamos pôr em prática alguns conceitos aprendidos nas aulas de Físico-Quimica). Numa das bancadas de experiências, estavam os vídeos do Professor Rómulo de Carvalho e posso dizer-vos que os vídeos eram (são) excelentes: não só era utilizada uma linguagem que captava a atenção, mas que também nos permitia colocarmo-nos diversas questões e desenvolver o nosso espírito científico.

Desde essa altura, procurei saber mais sobre a vida de Rómulo de Carvalho que – tal como outros – nos mostrou que não basta saber de ciência. Se queremos contribuir para que o “mundo pul[e] e avanc[e]”, é fundamental comunicar e divulgar a ciência.

 

 

Deixo-vos agora com a “Lição sobre a água” :também uma bela lição:

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

 

 

Poema do Homem Novo

Como o Astropt assinalou, no dia 20 de julho de 1969 o Homem chegou à Lua. Foi há 47 anos!
Queria deixar a minha homengem trazendo um poema de António Gedeão:

Poema do Homem Novo
Niels Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.

Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.

A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um envólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.

Numa cama de rede, pendurada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.
Cá de longe, na Terra, num borborinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam,
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.

Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.

Mais um passo.
Mais outro.
Num sobre-humano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

António Gedeão, in ‘Novos Poemas Póstumos’

Dia Mundial da Poesia 2016

Neste dia mundial da Poesia, trago um poema de António Gedeão.

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

A Cozinha como um Laboratório de Química

Na cozinha ocorrem inúmeras reações químicas. Enquanto cozinhamos, estamos, à semelhança do que ocorre num laboratório, a “fazer química”.

giphy

A este propósito, já falámos das reações de Maillard. Podemos também  ver aqui o que Galopim de Carvalho diz sobre a interdisciplinaridade da Culinária.

Uma coisa é certa: geralmente, quando entramos numa cozinha, conseguimos perceber logo pelo cheiro quais serão os pratos. A mim, se me cheira:

– A cominhos – lembra-me logo um prato de arroz de sarrabulho.

Apresentação1

– A canela –  de certeza que haverá arroz doce para sobremesa

canela

– A mentol – lembra-me os After-Eight

menta

Um pequeno aparte em relação a este texto:

Notam alguma semelhança entre a estrutura do cominho (S-carvona) e do mentol (R-carvona)? Exato, elas são o reflexo uma da outra, são moléculas quirais. Já aqui falei de moléculas quirais- A Quiralidade dos Fármacos. Podem ver mais também aqui.

Ainda há tanto para dizer: poderíamos falar de especiarias, dos lípidos, das bebidas e dos seus sabores e aromas.

Fica para outra ocasião. Para já, deixo-vos um sabor diferente:

O meu sabor é diferente.

Provo-me e saibo-me a sal.

Não se nasce impunemente

nas praias de Portugal.

“Poema da malta das naus” de  António Gedeão . Este sal não é mais que o cloreto de sódio, um dos mais vulgares sais da ciência e culinária.